Dois casais, Jan e Sanne e Benedikte e Verner, conhecem-se acidentalmente durante umas férias de verão, num hotel isolado no litoral da costa nórdica. “Os poucos hóspedes que aqui aparecem são sempre esquisitos e preferem manter-se isolados”. É a partir deste enunciado, lançado no início da peça, que Peter Asmussen retira o pretexto para justificar a aparente afasia e disfunção das suas personagens. O espetáculo, encenado por João Reis, leva-nos por desassossegos, estranhas melancolias e ironias, sempre com necessidades de consolo impossíveis de satisfazer. “É dessa impossibilidade que vem a força e o jogo de aproximação e fuga deste texto. O que é extraordinário neste texto de Asmussen é que, apesar da catástrofe iminente, há ainda espaço para um último fôlego. Como se as personagens esperassem um qualquer salva-vidas, alguém que os possa resgatar do naufrágio iminente e do seu sonambulismo e os possa reconduzir a um outro lugar, mesmo que de ilusória harmonia”, escreve João Reis.
Uma Praia privada
Perguntamo-nos: o que é que faz alguém regressar repetidamente a um mesmo lugar, numas desejadas férias de Verão, sem que se vislumbre qualquer indício de algo que nos prenda definitivamente?
O local é insípido e deserto, sem pontos de interesse assinaláveis, com um hotel de serviço medíocre e condenado a ser engolido pelo mar nos próximos anos, não há crianças e “os poucos hóspedes que existem são esquisitos e preferem manter-se isolados”.
Jan e Sanne estiveram ali pela primeira vez no ano do seu casamento. E foram regressando sempre, por nostalgia, por inércia, por incapacidades várias que se manifestam na repetição da escolha e no isolamento que ela sugere. Verner e Benedikte, por sua vez, foram parar ali por acaso, reserva de última hora, mas tal como os outros dois, acabam por voltar sempre, como um vírus que se replica e que os quatro vão alimentando entre si.
Talvez que um lugar assim, a ser escolhido por vocação, nos assalte de incertezas relativamente à personalidade dos hóspedes? Ou talvez não, talvez sejam pequenos e destemidos sinais, lançados para nosso reconhecimento? Seja como for, quem procura ou repete um lugar onde nada acontece, está seguramente a despedir-se ou a fugir de alguma coisa.
A Praia tem um efeito curioso na sua dimensão de refúgio inusitado, convoca as dúvidas e os fantasmas dos casais em fim de linha ou em crise, mas acrescenta-lhes uma melancólica exaltação reforçada pela escolha do lugar e pela natureza das suas motivações, de cada vez que regressam.
A melancolia aqui é a repetição, é uma necessidade de consolo impossível de satisfazer – parafraseando aqui um título de Stig Dagerman, o escritor suicida – em que os hóspedes, são assim uma espécie de náufragos, afundados em champanhe e pedrinhas de âmbar e conversas mais ou menos banais sobre o que “aconteceu o ano passado”.
Este somatório de equívocos e desencontros, desenvolvido habilmente por Asmussen em quatro andamentos distintos, transforma este quarteto, quase sempre desafinado e desatinado, num depositário das coisas, que ficam sempre por dizer…
João Reis