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D. João

O TNSJ em Lisboa
XXIII Festival Internacional de Teatro de Almada Ciclo Convidados mortos e vivos
© DR
Este evento já decorreu
Datas e Horários

21h

Local

Sala Principal

Duração

1h50 min

Classificação

M/12

Descrição

Dom Juan ou O Banquete de Pedra

Os cinco actos em prosa do Dom Juan foram representados pela primeira vez em Paris, em 15 de Fevereiro de 1665. Quando estava mais acesa a polémica contra O Tartufo, Molière escolheu um tema de êxito seguro, provavelmente para evitar mais escândalos. Realmente, a anterior versão da personagem criada em Espanha por Tirso de Molina (El Burlador de Sevilla) nunca tinha levantado os mínimos protestos por parte dos “conservadores”, tanto espanhóis como franceses.

Mas não aconteceu o mesmo a Molière, talvez porque os “devotos” seus inimigos, sentiam que ele manifestava pouco do “furor santo” que devia demonstrar frente a esse herói libertino, que, pelo contrário, estava nimbado de uma certa simpatia compreensiva. O facto é que os ataques e as polémicas suscitadas por O Tartufo se reacenderam contra Dom Juan. Um tal Barbier d’Aucour de Rochemont publicou um virulento libelo em que se fazia porta-voz do pensamento de todos os inimigos de Molière: Observations sur une comédie de Molière intitulée le Festin de pierre. Depois de apenas quinze representações, a companhia retirou Dom Juan de cartaz. A obra só voltará às cenas parisienses em 1847 e, desde aí, o número de representações mal ultrapassou as 150.

O enredo da comédia repetia bastante fielmente o do original de Tirso de Molina. Dom Juan casa com Dona Elvira, raptada do convento, mas em breve se cansa dela e abandona-a, partindo com o seu servidor Esganarelo à procura de novas aventuras. Elvira segue-o para o acusar e ele, para se desculpar, simula escrúpulos que não sente: “Estou cheio de remorsos… Temo o castigo divino. Pensei que o nosso matrimónio, por ser um adultério – visto que vos arranquei a vossos votos – atrairia sobre a minha cabeça algum castigo de Deus e, por isso, devia tentar esquecer-vos e libertar-vos, para facilitar o regresso à vida religiosa. Pretendeis opor-vos a tão santa decisão?”. É um bom exemplo da moral de Dom Juan, disposto a empregar qualquer meio para atingir o fim que deseja: a liberdade de amar todas as mulheres que lhe agradem. Convencida de estar em frente de um monstro de hipocrisia, Elvira desiste de tentar comovê-lo e Dom Juan toma ao seu caminho. O seu vagabundo deambular com Esganarelo tem como única finalidade procurar ocasiões novas para novos encontros; assim, sucedem-se as conquistas de Dom Juan – com as inevitáveis complicações –, de mulheres infalivelmente traídas, depois de engodadas com mentirosas promessas de casamento. No fim do segundo acto, está, precisamente, a enfrentar duas mulheres enganadas e, logicamente, furiosas, quando lhe anunciam que doze homens a cavalo o perseguem com intenções bélicas. Despedindo-se rapidamente das duas mulheres, Dom Juan foge, arrastando consigo o pobre Esganarelo, cada vez mais desconsolado com a extravagante vida que leva com semelhante amo. O terceiro acto tem como fundo um bosque onde se dão os mais estranhos encontros. O primeiro – e o mais enigmático –, é o de Dom Juan com um mendigo. Dom Juan oferece-lhe um luís de ouro com a condição de consentir em blasfemar. O mendigo recusa: “Não, senhor! Prefiro morrer de fome”. A esta imprevista resposta, Dom Juan replica: “Bem! Dou-to por amor da humanidade!”. Dá-lhe, de facto, o dinheiro, deixando espectadores e leitores perplexos quanto ao sentido exacto deste episódio. Depois, é o segundo encontro: três malfeitores que perseguem um fidalgo. Três contra um é demais, e Dom Juan intervem a favor do mais fraco. Os malfeitores são postos em fuga e o perseguido expressa a sua gratidão ao salvador. Mas, desgraçadamente, não tarda a descobrir-se que defensor e defendido são inimigos implacáveis: o fidalgo salvo por Dom Juan é, nem mais nem menos, Dom Carlos, irmão de Dona Elvira, decidido a vingar a sua honra ofendida. No entanto, o dever de gratidão que tem para com o seu salvador impede-o de realizar logo os seus projectos: a vingança fica adiada e Dom Carlos concede tréguas ao infiel esposo de Dona Elvira, que poderá retomar a fuga. No entanto Dom Carlos afirma-lhe que da próxima vez não terá salvação. O terceiro encontro é o mais imprevisível. Ao chegarem perto de um palácio, Esganarelo e o amo apercebem-se que estão precisamente em frente da sepultura de um tal “Comendador” que fora morto, em duelo, por Dom Juan. O sedutor, nada impressionado, tem a ideia – tão irreverente como bizarra – de convidar para jantar a estátua da sua vítima e, com grande susto de Esganarelo, a figura de mármore inclina várias vezes a cabeça para indicar que aceita o convite.

De regresso a casa, Dom Juan encontra um credor a quem confunde de tal modo que consegue despedi-lo sem lhe pagar um cêntimo. Vem depois Dom Luís, seu pai – homem íntegro –, atormentado com a ideia de ter um filho mulherengo e desacreditado. Insensível às censuras e maldições paternas, o impertinente Dom Juan ousa escarnecê-lo com cinismo. Pouco depois, também se não deixa comover com as palavras de Dona Elvira que vem suplicar-lhe, não que volte para ela, mas que – para seu próprio bem – se arrependa e abandone a vida dissoluta. Entretanto chega a hora da refeição e com ela, pontualmente, a estátua do comendador. À mesa, “a estátua” convida Dom Juan a jantar, no dia seguinte, no seu palácio. Dom Juan é demasiado orgulhoso para recusar, e assim, no dia seguinte, comparece ao encontro, apesar das advertências de um espectro que o exorta ao arrependimento. O seu desafio à paciência divina ultrapassa todos os limites e o castigo exemplar atinge-o quando se dirige para o banquete: a estátua, que o levava pela mão, em vez de o encaminhar para o palácio, anuncia-lhe que chegou a hora de prestar contas. A terra abre-se debaixo dos seus pés e engole-o num torvelinho de fumo e fogo. Escolhido por Molière para obter um êxito seguro que abafasse a tempestade desencadeada por O Tartufo, este Dom Juan não apresenta o aspecto de uma obra tradicional, como o modelo de Tirso de Molina. Pelo contrário, a realização é tão pessoal e o Dom Juan de Molière tão diferente do de Tirso que se compreendem bem os motivos das violentas reacções que levantou. O perverso pecador espanhol, esmagado pelo justo castigo, é, na obra de Molière, um homem complexo, enigmático, capaz de desconcertantes cinismos e de impulsos generosos, mas, sobretudo, sedento de vida, sedento das emoções e paixões que a tornam mais apetecível e intensa. Trata-se de uma personagem moderna, de uma comédia moderna pelos elementos que a agitam, pela inquietação que a trespassa, pela ausência de normas morais e de esquemas literários que podiam neutralizar a extraordinária liberdade de criação. É uma prova, tão evidente como involuntária, de como Molière nunca conseguiu imitar os outros sem deixar de ser ele próprio: mesmo partindo dos mais sensatos propósitos de se servir de uma imitação aparentemente tranquila, sem perspectivas de riscos nem de aventuras perigosas.

 

“As obras: Dom Juan ou O Banquete de Pedra”. In ORLANDI, Enzo, dir. – Molière. Versão portuguesa dir. por António Manuel Couto Viana. Lisboa: Verbo, cop. 1972.

 

Ficha Técnica

Dom Juan ou le Festin de Pierre (1665) de Molière tradução Nuno Júdice encenação Ricardo Pais cenografia João Mendes Ribeiro figurinos Bernardo Monteiro desenho de som Francisco Leal desenho de luz Nuno Meira desenho de lutas Miguel Andrade Gomes improvisações musicais de Carlos Piçarra Alves sobre temas de Vítor Rua, Maurice Ravel e Rahul Dev Burman elenco António Durães Francisco, o Pobre/D. Luís/Estátua do Comendador; Hugo Torres Esganarelo; Joana Manuel Dona Elvira; João Castro Pierrot; Jorge Mota Sr. Domingos; José Eduardo Silva Gusmão/La Ramée/Rosimundo; Lígia Roque Maturina/Espectro; Marta Freitas Carlota; Paulo Freixinho D. Alonso; Pedro Almendra D. João; Pedro Pernas D. Carlos; com a participação especial do clarinetista Carlos Piçarra Alves preparação vocal e elocução João Henriques treino e coordenação de movimento David Santos 1º assistente de encenação David Santos 2º assistente de encenação João Castro produção TNSJ A banda sonora do espectáculo inclui temas tratados a partir dos originais “Nodir Pare Utthchhe Dhnoa”, de Rahul Dev Burman, interpretação Kronos Quartet, “Dhanno Ki Aankhon”, de Rahul Dev Burman, interpretação Kronos Quartet

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