Com os ataques terroristas e todo o medo, houve que parar para pensar e descobrir a nossa forma de reagir à situação atual. Senti uma vontade de regressar ao autor que exercera uma enorme influência na minha adolescência: Albert Camus. Reli a peça Estado de Sítio, escrita em 1948, pouco depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial, após o pior exemplo da desumanidade do homem para com o homem. Ficou então evidente que teria de dar vida a esse texto, simultaneamente espantoso e universal, um texto que merece ser redescoberto e que nos incentiva, hoje em dia, a estabelecer compromissos capazes de reavivar o otimismo. Seria possível traçar referências ao clima de medo que se verifica sob diversas formas por esse mundo fora, ao desenvolvimento dos movimentos extremistas, tanto na Europa como noutros países, bem como à tentação de rejeitar todos os que sejam diferentes, de nos isolarmos em relação ao exterior. A peça coloca uma série de questões com grande intensidade; a luta pela defesa dos valores humanistas perante uma autoridade que se impõe através do terror; a incapacidade de certas pessoas para terem fé num credo ou ideal, e como isso poderá levá-las a aceitar e sancionar o pior de tudo; a autoridade (seja real ou simbólica) dos “pais”; o poder do amor, aliado à inexpugnável liberdade individual. Há uma pergunta que todos fazemos e que atualmente nos anima: que papel poderá desempenhar a arte diante de perigos horrendos como aqueles que hoje experimentamos? E a resposta que gostaríamos de dar a essa pergunta é que a arte pode ajudar-nos a termos dúvidas em conjunto, a questionarmos a certeza, a convicção e a convenção, a questionarmos o preconceito, e pode dar uma ajuda a que as ideias avancem, rumo à verdade e não à treva, confrontando o destino da morte e exaltando o poder da vida.
Emmanuel Demarcy-Mota
Conversa 15 julho com a equipa artística após o espetáculo