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Frei Luís de Sousa

O TNSJ em Lisboa
XXIII Festival Internacional de Teatro de Almada Ciclo Convidados mortos e vivos
© DR
Este evento já decorreu
Datas e Horários

17h30

Local

Sala Principal

Descrição

Frei Luís de Sousa
Fogo

Em 1999, no contexto do ciclo Exaltação, Simplificação e Louvor Lírico de Três Grandes Autores, promovemos uma leitura encenada de Frei Luís de Sousa em homenagem a Almeida Garrett, o re-fundador do Teatro Português, poeta, dramaturgo e homem público.

Essas quatro récitas, no horário da tarde, praticamente só para alunos do ensino secundário, confirmaram a minha ideia de que este texto – que encenei em Lisboa em 1978 e que José Wallenstein aqui encenou em 2001 – funciona bem melhor quando o ouvimos ler.

A versão de 1999 foi acompanhada por um programa informal onde coligimos alguns textos que continham algumas das mais evidentes informações sobre Garrett e Frei Luís de Sousa, bem como a sua relação com o teatro português, plasmada em alguns documentos fundadores da sua obstinada e programática batalha por uma regeneração da arte dramática, assente na criação de um repertório nacional e, fundamentalmente, na intransigência da defesa da língua portuguesa. Na primeira metade do século XIX, Almeida Garrett sublinhava, em forma de lei, a evidência de que um Teatro Nacional também se deveria constituir numa espécie de reserva ecológica da língua. Inquietações que também partilhamos, consagradas na Lei Orgânica que nos rege desde 1995, e revistas e ampliadas numa proposta recentemente enviada à tutela, no âmbito da reforma administrativa em curso, que visa transformar o TNSJ numa Entidade Pública Empresarial. Numa altura em que celebramos o Dia Mundial do Teatro mergulhados em alguns equívocos à volta do conceito de Teatro Nacional – gerados, na sua quase totalidade, pela ignorância ostensiva do conteúdo das leis orgânicas e seu sentido doutrinário –, não resistimos à tentação de publicar excertos desses documentos e de os confrontar com a herança de Garrett. Uma outra forma de lhe rendermos tributo, para além de um urgente, e higiénico, acto de esclarecimento público.

O programa de 1999 abria com um meu texto, que aqui reeditamos praticamente na íntegra. Isto porque, no essencial, leio ainda em Frei Luís de Sousa os mesmos temas. Acrescente-se apenas que o elenco é outro, a nossa experiência de palco tem vindo, no geral, a radicalizar-se, e que Bernardo Sassetti, com as suas mãos e a sua música, acrescentará a este melodrama familiar (íntimo e delicado como poucos) uma dimensão sonora totalmente nova. E, esperamos, uma outra incandescência!

“A leitura encenada desta obra, que agora vos propomos, é isso mesmo – uma leitura! Tomámos como ponto de partida o que poderia ser o ambiente de um recital num sarau do séc. XIX (a casaca que ainda hoje os músicos usam em recitais e concertos é uma herança dessa época), e testámos a resistência deste drama familiar, deste melodrama de sabor trágico, ao rictus hierático, à quietude formal de um concerto para “piano e vozes”. É claro que isto é já encenar o texto, por isso lhe chamamos leitura encenada. Mas o facto de não deixarmos as palavras soltas no corpo (decoradas), de pretendermos apenas indiciar características das personagens sem nunca as deixarmos viver naquela realidade paralela que o teatro ficciona, desloca o nosso olhar e a nossa reflexão sobre Frei Luís de Sousa, deixando mais límpido o texto na sua musicalidade e mais claro em alguns dos seus propósitos.

Os temas que resultam da nossa interpretação são aqueles que, desde 1978/79 (quando encenei em Lisboa uma versão desta obra a que chamámos Ninguém), me entusiasmam:

• A dificuldade de criação de imagem de nós próprios, que reflecte o grave problema cultural da nossa auto-identificação como portugueses e que tem a sua metáfora no vazio do retrato ou na cadeira vazia;

• A dificuldade de deixarmos o corpo à solta nas guerras do amor, de opormos à legitimidade social a legitimidade plena do nosso amor e do nosso desejo;

• A obsessão com o passado – essa incapacidade de aceitar a derrota como princípio de acção, de regeneração e de mudança –, que tem no Fado o seu território de auto-complacência e na teimosia de amante excluído, que é a de D. João de Portugal, a mais patética das corporizações.

Pensámos, enquanto preparávamos este trabalho, que se a afronta de Manuel de Sousa, ao incendiar o seu palácio, não fosse esquecida pelos traidores governantes, isto é, se Manuel de Sousa iniciasse com o seu incêndio uma verdadeira luta política que tivesse desenvolvimento paralelo ao drama familiar (que o regresso sebastiânico do Romeiro e a tuberculose de Maria vêm precipitar), então Garrett teria estado no caminho da escrita de uma tragédia. Dilacerado entre o cidadão e o homem privado, Manuel de Sousa teria de prosseguir o seu caminho, a sua luta, numa fuga para a frente que o salvasse da resignação a que tão tristemente se vota no final.

Mas isso seria outro Garrett, não este. Frei Luís de Sousa é a aposta de um autor que acredita que o teatro é um campo de batalha ideológica, com tudo o que isso traz de simplificação. Mas é também um dos mais perfeitos lugares de confronto com os nossos fantasmas.

Drogada pela febre e pelas papoilas dormideiras, Maria de Noronha há-de morrer tantas vezes quantas forem precisas para que cresçamos e nos libertemos da nossa pequenez; e só pode fazê-lo pelas palavras fantásticas que Garrett lhe emprestou.

Exaltação mais lírica não se conhece no nosso teatro.

Que melhor louvor podemos fazer ao Visconde do que lê-lo alto, na vossa companhia?” (19 de Março, 1999)

Ricardo Pais

 

Ficha Técnica

Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett direcção cénica Ricardo Pais música Bernardo Sassetti dispositivo cénico João Mendes Ribeiro figurinos Bernardo Monteiro luz Nuno Meira som Francisco Leal preparação vocal e elocução João Henriques leitores Hugo Torres Miranda, Converso/Prior; Jorge Mota O Romeiro; José Eduardo Silva Frei Jorge Coutinho; Lígia Roque Dona Madalena de Vilhena; Marta Santos Dona Maria de Noronha; Paulo Freixinho Telmo Pais; Pedro Almendra Manuel (Frei Luís) de Sousa e Bernardo Sassetti ao piano

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