A primeira mulher de Adão, Lilith, enfastiada com o paraíso, e depois de discutir com Adão a respeito de quem é que devia ficar por cima, dirigiu-se aos altos portões e saíu dali para fora. Começou a dormir com os demónios que andavam por ali à volta, a espreitar por cima dos muros. Isto é tudo o que dela diz a mitologia judica: que foi a primeira prostituta. O que a mitologia não diz é que, deste modo, ela abandonou um paraíso e foi ter a outro: o paraíso da linguagem. Este segundo paraíso, que dá um trabalho descomunal, está cheio de velhos discos de colecção, riscadas ilusões de amor, vogais que não se deve ouvir no quarto ao lado, coisas que costumam aparecer e prendem como anémonas.
Sobre o palco, duas actrizes e um actor prendem-se a essa coisas para atirá-las por cima dos muros, a ver se se descobre onde é que está o terceiro paraíso. O fundo narrativo projecta a situação mítica para a actual prosa do mundo, articulando memórias, instantâneos, hábitos de passagem em que por vezes se deixa ouvir, sobretudo quando estamos nus uns com os outros, o resto de um terrível silêncio da mitologia.