Nas palavras de José Luís Ferreira, Director Artístico do São Luiz, “não se lê António Lobo Antunes. Viaja-se por dentro das suas ficções poéticas como quem se deixa transportar por um fio de memória. Vive-se empolgadamente, ou desoladamente, a acção dramática que a cada momento descola do exercício narrativo. Pode parecer mental, mas é visual, teatral, cinematográfico, musical. Por isto e por tudo – porque Lobo Antunes é um dos grandes autores universais e temos o privilégio de o ter connosco na mesma cidade onde vivemos, porque lê-lo é lermo-nos nas nossas vidas das últimas décadas, ou simplesmente porque é um prazer – faz-nos pleno sentido abrir a mãe de todas as temporadas, nesta casa das artes do palco, com um programa dedicado à literatura.”
Neste seu regresso a Lisboa, Maria de Medeiros (em pas de deux, ou talvez trois, com Gonçalo Távora Correia, cavaleiro de equitação à portuguesa, e Paxá, o cavalo) conduz-nos através da sua leitura pessoal de um monumento literário suspenso de alguém que inevitavelmente, “vai morrer às seis horas”.
Cada um dos membros [de uma família do Ribatejo] – o cínico, a drogada, o homossexual e até a velha criada, Mercília, sem contar com os mortos e com os que estão a morrer – libertam a sua voz numa tragédia cujo ritual evoca quer a ópera (onde se morre a cantar) quer uma arena (onde se morre entre ‘vivas’). O título, inspirado numa velha canção de Natal, recorda que, sob o domínio outrora próspero da família Marques, os cavalos viviam em liberdade… Enquanto agora apenas se ouve a litania: “Como esta casa deve ser triste às três horas da tarde”.
Brigitte Paulino Neto in Programa de estreia