Penso que, no palco, a peça não funciona bem com a roupa dos nossos dias. Funciona melhor com figurinos que requerem um código e uma conduta próprios, que mostram os homens e as mulheres mas que também os escondem; roupas que seria chocante serem tiradas perante a nossa vista.
O amargo feudo entre Montéquios e Capuletos é pouco enfatizado em produções “abstractas” o que nos faz perder um ingrediente essencial da peça, particularmente após as mortes de Mercúcio e Tebaldo. O amor entre Romeu e Julieta torna-se mais “revolucionário” se percebermos a razão por que – naquela sociedade – estão dipostos a morrer um pelo outro.
Temos um par maravilhoso com o Marco e a Carla.
Quero colocá-los num mundo onde seja óbvio que ninguém se preocupa com eles ou tenta sequer compreendê-los – Montéquios e Capuletos só se preocupam consigo próprios e com a sus posição social. E para aumentar a carga erótica, Julieta deve ser um fruto proibido por ser uma virgem, por ser uma filha e por ser uma Capuleto.
Sob todas as perspectivas, ela está enjaulada.
Pensei num café, em Lisboa, chamado Café Capuleto – na viragem do século XIX para o XX – quando a permissividade e a restrição coexistiam com igual peso. Uma época em que havia espadas e armas de fogo, em que se travavam duelos por pequenos e grandes insultos à honra. Um mundo em que existe uma diferença visível entre a respeitabilidade fora de portas e a depravação dentro de casa – a Ama é a personagem mais confortável em ambos os mundos. Frei Lourenço, por sua vez, é igualmente sofisticado – e odeia profundamente a decadência e falsidade da cidade.
O casal Capuleto é verdadeiramente depravado – ambos colocam a sua ambição (apesar do seu mútuo desprezo) acima de tudo o resto. São as personagens menos espirituosas e mais avarentas da peça. São eles o motor da trama e do drama emocional – são tão visivelmente egocêntricos e gananciosos. Não queremos que saiam de cena pois são tão deliciosamente horríveis, o oposto grotesco de Romeu e Julieta.
Benvólio abre e fecha a peça – ele é o único jovem que sobrevive. Ele tem uma necessidade premente de nos contar a história de Romeu e Julieta. Talvez prestemos atenção ao seu conto. Ele amava Romeu. Romeu está morto.
E Mercúcio está morto e Tebaldo e Julieta e Paris.
Mas até Tebaldo matar Mercúcio, após mais de metade da peça, estamos a assistir a uma comédia, não a uma tragédia. Namoricos, duelos, bailes, beleza, comédia, amor e felicidade, tanta felicidade quando vemos pais velhos e gananciosos derrotados por um amor forte e jovem que sabe o que quer e que consegue dar a volta Á Ama e aos Capuleto. Que sabe estes velhos trastes sobre amor, sobre a vida?
A tragédia dá-se no mesmo palco, no mesmo mundo que a comédia – irrompe súbita e horrivelmente no gesto suicida de Romeu ao matar Tebaldo imediatamente. Contra a fúria de Romeu, Tebaldo cai. Nada poderá ser igual. Sabemos agora o quanto Romeu queria a Mercúcio. Mas deixou-o por Julieta.
Quem é Julieta?
Julieta mostra ter a mesma capacidade de amar que Romeu – e demonstra uma grande capacidade de enganar ao convencer os seus pais de que casará com Paris. Em parte, ela ama Romeu porque os odeia tão intensamente. Pode ser uma virgem mas, o seu desprezo pelo mundo dos adultos à sua volta – um mundo que em breve herdará – é muito forte. Vai casar com um homem que não conhece. Deve amar – ou morrer.
John Retallack, Encenador